quarta-feira, 18 de maio de 2011

Uma noite destas, fui ao café e encontrei o Ricardo Silva. Já há uns bons anos que não o via. Conhecemo-nos no liceu, antes de ir para Tomar. Foi meu colega de turma. Nas férias, encontrávamo-nos muito. Éramos muito chegados. Agora, pareceu-me estar mais calmo. Ele, também me disse o mesmo, como se eu me pudesse, a ele, comparar. Por muito animado que fosse, nunca tivera a mesma pedalada. Tivemos uma longa conversa, depois do surpreendente encontro. Falei-lhe o que fazia, onde trabalhava, de minha mãe… Questionámo-nos muitíssimo, como se de repente, quiséssemos saber, um do outro, tudo, relativamente a estes quase trinta anos que nos separaram. Estivera fora, emigrara para a África do Sul, depois esteve uns anos na Austrália, agora por Inglaterra. «Como não te casaste?» Ficou admirado de eu estar solteiro. Ele, já se casara por duas vezes, vivera umas quantas, pelo que percebi, relações, sem muito sucesso e pouco duradouras, e tinha meia dúzia de filhos, cada um, de uma mulher diferente. Não era de admirar, o Ricardo, quando novo, era muito namoradeiro, um galã, um engatatão.
As miúdas tinham quase todas por ele, um fraquinho, mesmo sabendo que era um” Dom Juan”, mas o Ricardo tinha paleio, muita capacidade de argumentação, dava-lhes a volta, iludia-as, facilmente. Sim, deve estar mais calmo. Os tempos são outros, e a idade também; dele e delas.
«O que é feito da Natália? Tens estado com ela?»
«Raramente a vejo. Deixámo-nos de falar depois daquela confusão. Depois, casou.»
«Eu, há uns dez anos, a última vez que vim de férias a Portugal. Não cheguei a cá vir, a cima. Fui directamente para o Algarve e fiquei por lá o tempo todo. Um tempo divinal, uma água fantástica, só no Algarve. E encontrei a Natália. Fez-me uma grande festa. O marido, um chato, antipático, pouco falava… Uma pessoa muito amarga. Ela como sempre um furacão. Mais gorda. Uma tarde cruzámo-nos numa praça, em Faro e convidei-a a tomar uma cerveja, numa esplanada. Não imaginas a conversa que tivemos, o que me contou. Fiquei com a sensação de que a filha dela, é também tua.»
«Como assim, estás doido! Mas, ela disse-te isso?»
«Não! Não me disse que a filha era tua, mas pouco faltou. Eu, no fim, depois de desabafar, fui directo e perguntei-lhe, mas não obtive resposta. Senti-a incapaz de o dizer tão obviamente, talvez, com receio. Mas, vou-te demonstrar, pelo que me contou, o que me levou a pensar tal coisa.»
Eu não queria acreditar. De facto, quando acabara o namoro, ela me dissera que estava grávida, mas que não me preocupasse, que resolveria o assunto. Eu, ainda me ofereci, para a acompanhar, mas não me permitira. Mais tarde, me confirmara o que supostamente teria feito e que se encontrava bem. Fiquei descansado, aliviado, pois a nossa relação tinha chegado ao fim e não era possível reatá-la. Cheguei a duvidar da gravidez, a pôr a hipótese de ser um estratagema, uma tentativa, para me convencer a casar. Éramos tão novos. Eu, ainda, estava a estudar. Disse-lhe que assumiria a paternidade, mas nunca me casaria.
Irene Isabel! A filha chama-se Irene Isabel! Quando namorávamos e fazíamos projectos futuros, os filhos abundavam nos planos; se nascesse uma menina chamar-se-ia Irene Isabel. Irene o nome da minha avó e Isabel da, de Natália. Pouco depois de ter posto fim ao namoro, vi-a, com um outro rapaz.
«Ela casou-se com o Victor, mas, contou-me que estava na igreja e chorara, por que não era com aquele que quereria casar, mas contigo. Foi de lua-de-mel, para os Açores. Quando chegou, já estava separada. Não mais voltara a viver com ele e depois, divorciara-se Quando a filha nasceu, não permitiu nem ao ex-marido, nem à sogra, visitar a criança. Mais tarde a sogra ficara muito sua amiga, talvez cúmplice. Contou-me que há um segredo, que a Irene Isabel não é filha nem do primeiro marido, nem do presente. Foi ele, praticamente que a criou. Ao fim de dois anos e meio, voltara-se a casar e tivera mais dois filhos, gémeos, deste, que continua ainda com ela. E não quer que se revele o segredo. Se, entretanto, morresse, ela o faria, certamente. Disse-me, que ele é um homem muito doente e esteve muito mal há pouco tempo. Não o quer contrariar.»
Ele contava-me em pormenor toda a conversa que tivera, com Natália, numa tarde de verão, numa esplanada, em Faro, há uns dez anos, e eu ao mesmo tempo viajava, mais uns anos atrás, e relembrava todo aquele período, em que a relação se tornou complexa e terminámos, as conversas que tivemos, as frases que foram ditas, algumas que naquela altura, não quisera dar importância, mas que hoje, o argumento de Ricardo, veste-as de outro significado.
Tenho pensado imenso, no assunto. Nestes últimos dias não consigo pensar em mais nada. E eu que me achava determinado, com iniciativa argumentativa, para combater quaisquer divergência, que se me opusesse, ou que fosse contra os princípios que me regem ou que põem em risco, por negligência, ou pouco profissionalismo, o meu bem bem-estar e o dos outros. Ainda no sábado, fui jantar a um restaurante, que me serviu um peixe, que mais parecia ter saído do congelador, onde permanecera, há um bom tempo, do que do mar recentemente.
Chamei o empregado e delicadamente lhe disse, que o peixe, não estava fresco e que não sabia bem. Ele, só me faltou chamar de ignorante. Teimou comigo, que o peixe era fresquíssimo e que tinha sido apanhado na noite anterior. Mostrei o prato a um casal, que estava sentado, na mesa ao lado. Ele, sem qualquer duvida, olhando para o robalo, deu-me logo razão e mandou calar o empregado, dizendo-lhe o que um profissional, que se preze, da restauração, jamais gostaria de ouvir. E vez de pedir desculpa e de tentar remediar a situação, solicitando outro pedido, continuou a refilar, numa atitude inqualificável. «Acabou-se, a conversa. Traga-me o livro de reclamações!»
 Mas tudo o que me expusera Ricardo é-me difícil. Aconselhou-me a ter uma conversa com a Natália e a encostá-la contra a parede, forçando-lhe a confissão. Também, me explicara sobre o teste de ADN.
As emoções e a complexidade afectiva, as pessoas envolvidas, principalmente a Irene Isabel, a polémica que iria levantar, sobrepõem-se a qualquer razão, não sabendo o que fazer. E ao fim de todos estes anos, irei eu conquistar uma filha, que toda a vida, não tendo sido criada pelo suposto pai biológico, mas sempre crera ter somente aqueles dois. Não! Não se trata de uma reunião de condomínio, onde tenho fama de ser minucioso, exigente, onde abertamente e sem rodeios faço criticas, ou dou elogios. Não se trata de marcar uma reunião de negócios, onde mal ou bem preparado, tento negociar, mantendo-me fiel aos objectivos da empresa, mas procurando também nunca ser desleal para quem é cliente e paga. Por muito que me prepare e tente defender a minha possível condição de pai, será certamente mais importante o equilíbrio afectivo/emocional, da minha, provável, possível, filha.

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