quarta-feira, 18 de maio de 2011

João é um dos meus melhores amigos! O meu melhor amigo! Conheço-o desde sempre.
Somos como família. Temos uma ligeira diferença de idades. Sendo mais novo do que  eu, envelheceu mais depressa. Tem um ar carregado. Cedo, foi perdendo o cabelo, e depois de casar, engordou, e assim continua anafado, mas feliz, como costuma dizer. Tem dois filhos; Heitor e Tiago. Sou padrinho de baptismo de Heitor e os dois me chamam de padrinho, por vezes, tio. São dois belos rapazes. O mais velho, já tem vinte e oito anos e o Tiago fez, há pouco, vinte e dois. Como não tenho filhos, sinto-os como, também, meus. Vi-os crescer. Ajudei-os no que pude. Tenho-lhes amor e quero-lhes muito.
O relacionamento dele com a Lena, parece, não estar nada bem! Nunca esteve. Tenho evitado ir lá a casa. O João está constantemente a ligar, querendo saber de mim, da minha mãe, relatando as novidades e convidar para jantar. Mas a última vez que lá estive com eles, a conversa azedou e ele aproveitou a minha presença, para dizer à mulher, o que não consegue, a sós. Não gostei que a tivesse humilhado à minha frente. Não fui capaz de dizer nada. Simplesmente saí.
Por vezes, me questiono, como consigo ser seu amigo, por sermos pessoas tão diferentes. Vemos o mundo de maneira diferente. Acho que está bem melhor. Conversamos muito. Eu, mais do que ele. Prefere ouvir. Diz-me a tudo, que sim. Compreende-me, mas ele, a si mesmo, não. E sair da prisão que ele próprio construiu, é-lhe difícil.
Casou-se muito cedo e não teve tempo de se descobrir, de viver a sua vida, de fazer as suas escolhas. A Lena ficou grávida logo, pouco tempo depois de se terem conhecido, começado o namoro. Nem se conheciam, ainda bem. Nada. Ele confessou-me mais tarde, que nunca gostara dela e nem tinha explicação para o que acontecera e que o amor da vida dele, não era a Lena. Casou-se, começou a trabalhar, nasceu o primeiro filho e assim por diante, conformado com a sorte, que Deus lhe dera.
João era filho único, como eu. Mas sempre vivera com os pais até se casar. O pai era um homem duro, exigente, um chefe de família, à antiga, a lei da casa, o centro do lar.
A mãe uma senhora submissa, trabalhadora, sempre com a casa muito arrumada e limpa. O João nem podia brincar no quarto, para não o desarrumar. E quando entrava, em casa, sujo, tinha de se descalçar à porta, e despir. E assim, correr para a banheira. Tinha de estar pronto, lavado e vestido, já de pijama, antes que o pai chegasse. Eu lembro-me de ter ido a sua casa, uma vez, que esteve doente, visitá-lo. Ele e a mãe vinham muito à minha. O pai, nunca. Pouco saía, se dava com alguém. Dona Gertrudes passava os dias, de manhã à noite, sempre numa grande labuta. Só depois de o marido se deitar e adormecer ela descansava, via um pouco de televisão ou ia a minha casa, conversar com a minha mãe. Mas quase sempre de fugida, com receio, dizia ela, que o marido acordasse e precisasse de alguma coisa. Temia não ser considerada por ele, uma esposa e mãe exemplar. Para isso fora educada.
João, ao casar, ter filhos, ser um bom chefe de família, seguia, assim a tradição e acrescia a felicidade dos pais, dando-lhes netos, ainda por cima, varões, garantindo a continuidade do nome de pai. A Helena é filha de um médico, cá da terra, muito conhecido e respeitado. Os pais de João sentiram-se muito orgulhosos com a escolha do filho, pela filha do senhor doutor. Ela porém, apaixonada por João, teve uma forte oposição, principalmente por parte do pai, que não considerava João à altura de sua única e querida filha, assim falavam as más-línguas, por altura do casamento, tendo-a também ameaçado, diziam, de não pôr os pés na igreja. Acho, que no início, o que, o motivou, foi sentir que era capaz, mais uma vez, de corresponder, à vontade e ao desejo dos pais, mais do pai, de construir a sua própria família, ter um trabalho estável, que garantisse o sustento do agregado familiar e a educação dos filhos. Para isso fora educado, mas não sentia vocação. Confessara-me uma vez, que não nascera para se casar, gostava muito dos filhos, mas não lhes sabia dar afecto, como gostaria. Não aprendera a ser um pai dócil, e duro também não conseguia sê-lo.
Eu entendia-o, talvez até melhor do que ele. Conhecia o seu percurso de vida, dona Gertrudes e o senhor Gaspar. Sentia o seu conflito, interpretava em silêncio, as suas dualidades, com receio de poder desencadear um processo, que só a ele, caberia resolver, com o tempo, que lhe fosse necessário, e naturalmente, até ter a mínima consciência do que seria melhor para si e para os outros. Mas ele está demasiado imbuído de valores, cristalizado no modelo que aprendera, que emocionalmente sabe. Tento que pense, se liberte, seja feliz e dê a oportunidade aos outros de também o serem. Tento conversar, fazer com que se abra, fale. Não é timidez, é medo. Tem medo de se ouvir.
João é extremamente criativo, habilidoso…É um artista! Mas nunca teve a oportunidade de fazer o que gostaria, se realizar tanto no plano pessoal, como sócio/profissional, nem coragem para renegar o que não fazia parte de seus planos e desejos mais profundos.
Constantemente o obrigo a que repense a sua vida e defina o que é mais importante, sem que se disperse ou culpabilize, saiba o valor a dar, ao que para si tem de facto valor e a desvalorizar o que lhe causa tristeza e infelicidade. Ao não ser feliz, quem dele gosta, também não o será. A paz, dita podre, nada tem de construtivo.
Eu, também mudei, evolui, já fui supérfluo, querendo-me construir conduzido por uma ambição, discípula de um velho ego, sem qualquer sentido, e por várias vezes fiquei sujeito, a mudanças de roupagem, que a pele, camada por camada, se desprendesse da alma, sofrendo muitíssimo, sem razão, com receio de não ser mais capaz de sobreviver a esse morrer e que jamais renasceria melhor, livre, consciente da individualidade que sirva saudavelmente o colectivo. Todos mudamos. A vida está sempre em mudança. O que hoje é importante, amanhã poderá já não o ser. Mas deveremos escutar as vozes do coração e da mente e sempre abertos a evoluir.
Tento que os “meus afilhados” façam as opções certas, e que não se deixem influenciar por o que é desprovido de conteúdo, que não se prendam ao que lhes impigem, mas saibam ser críticos e ter capacidade e distanciamento, para entenderem o que é mais propicio ao seu enriquecimento e individualização, à sua integração social e ao sucesso, à feliz realização. Como não tenho filhos, sinto-os como, também, meus. Vi-os crescer. Ajudo-os no que posso. Tenho-lhes amor e quero-lhes muito.

Sem comentários:

Enviar um comentário