quarta-feira, 18 de maio de 2011



A semana passada foi admitida para trabalhar no escritório, uma nova administrativa. Nasceu em Angola. É mulata. Uma mulata bonita. Tem ainda vinte e cinco anos. Está a estudar à noite e de dia trabalha, para ajudar a família e ter alguma independência. Hoje, estive a conversar com ela. Ainda não tínhamos tido oportunidade de falar, sem ser sobre trabalho. Esteve-me a contar um pouco do seu percurso de vida e as razões que a levaram a escolher Portugal para viver. Ela confessou-me que este país é óptimo, que não há muita descriminação e que se sente muito bem, cá. Tem um sorriso encantador; dentes alinhados e brancos, tão brancos, que lhe perguntei, se tinha feito algo, para os ter assim, ao que me respondeu, prontamente que não. «São mesmo, assim. Tive sempre os meus dentes, assim, desde que me lembro! Nós, os negros costumamos tê-los brancos e saudáveis!» 
Ao contar à minha mãe, sobre a nova funcionária e de a ter descrito, com algum entusiasmo, ela logo me questionou sobre a sua vida afectiva. «Oh, mãe, sei lá! Mas, por que pergunta?» Eu entendi o propósito da sua curiosidade, mas fiz-me desentendido. «Vê lá, se te encantas pela rapariga e ainda me dás netos pretos!» Eu já pressentia que me iria dizer algo assim, disparatado. «Oh, mãe! Mas agora é racista?! A mãe é tão religiosa, vai à missa e tem uma saída destas!» Eu sabia que lhe dizendo o que lhe disse, lhe tocaria na ferida. «Eu, racista?! Mas não gostaria de ter netos de cor!»
A discussão tornou-se acesa, como se eu e a Rosa, estivéssemos comprometidíssimos e de data marcada para o casório, quando mal a conheço. Acabámos por, cada um, ir para seu quarto, para pôr termo aquele conflituoso debate sem conclusões. Estava tão incomodado que só consegui adormecer, era quase manhã. A minha mãe racista e acusando-me de também o ser; desde pequeno que temia os ciganos.
Não me lembrava de ter medo de ciganos, ou de fazer alguma rejeição fosse a que raça fosse. Mas era verdade. Não sei bem por quê. Talvez, por desde pequeno sentir o preconceito dos que me eram familiares e, ou conhecidos, e de ouvir muitas histórias sobre os ciganos. O cuidado que deveria ter se os visse por perto, não me fossem levar dentro de um saco e nunca mais veria nem pais, nem vizinhos e jamais voltaria a casa.
Possivelmente serei racista, ou terei certamente bebido de pequeno, preconceitos e sido manipulado, por protecção, pelo medo.
O racismo será uma questão instintiva ou cultural? A cultura serve o instinto. Todas as espécies têm o instinto maior de se preservarem e de se darem continuidade. A natureza é inteligente. Logo que não tenhamos condições, sejamos suficientemente robustos, para nos cruzarmos, procriarmos, envelheceremos e assim nos finamos, para que outros mais capazes surjam e consigam os objectivos exigidos pela continuidade e equilíbrio do todo. Os progenitores defendem as suas crias dos predadores de outras espécies ou da mesma. Mas por outro lado tentam sobreviver e alimentar os recém-nascidos, matando a vida, (seja de que reino for) até eles serem capazes de se submeterem sozinhos às leis da selva.
O Homo Sapiens no seu percurso evolutivo, tentou sempre defender o seu núcleo mais próximo, os seus descendentes, como prova do seu grande contributo para a “tribo”. Seria sempre mais fácil sobreviver em grupo, do que isoladamente; caçar, defenderem-se de outros animais mais fortes, agressivos, carnívoros, ou de outros em que também funcionasse o instinto de amparo para com os seus filhotes e sentindo-se ameaçados, atacassem sem olhar a quem, desenvolver actividades em grupo, estipulando funções, de acordo com o género ou características…
Mas o racismo cultural é utópico! Pretender ser o melhor, o mais puro, superior é regredir, estagnar. Chegámos ao que somos, por que nos cruzámos, multiplicámos, descendemos, não sei de quê, mas desde que há vida, em nós, há certamente um gene dessa memória. A cor, o tamanho, o género, as características fisiológicas…, são pormenores visíveis, insignificantes, de acordo com a história milenar que transportamos e a outros passaremos, para que haja continuidade, evolução e vida.
O mundo divide-se cada vez mais. As pessoas têm de se afirmar como as melhores; no mundo do trabalho a competitividade leva-as a esquecer certos valores, para friamente e sem pudor, corresponderem ao que lhes foi proposto, atingirem metas, nem sempre alcançáveis. As mais belas; todos os dias somos bombardeados com publicidade, em que os modelos são sempre novos e formosos. Parece que já não há lugar, para os velhos, como se um dia, todos não o fossemos, os deficientes, como se tivéssemos nascidos perfeitos, outras crenças, como se tivéssemos a certeza do que somos, onde estamos e quem nos criou…
A minha mãe tem alguma razão em me chamar de preconceituoso e de racista, só por que temo os ciganos. Há em mim algo que me faz querer sentir superior, para superar quiçá, o medo que tenho, e que neles projecte esta minha insegurança, sem dela, no dia-a-dia, me aperceber.
Acredito numa raça pura; a da alma humana!

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