quarta-feira, 18 de maio de 2011

«Bom dia! Dona Albertina dê-me um café, se faz favor.»
«O senhor Fernando quer em chávena fria, e curto?»
«Em chávena fria. E normal. O Jornal?»
«O de hoje está na mesa, ao fundo! Ai, senhor Fernando, só desgraças! Eu já não quero ler mais notícias!»
A dona Albertina pergunta-me todas as manhãs a mesma coisa, se o café é em chávena fria e se o quero curto. E peço-lhe sempre que me tire não muito curto; normal, sem ser uma banheira, e em chávena fria. E refere-se sempre às desgraças do mundo, publicadas no jornal matutino, que entregam no seu café. Tem razão quando se refere às desgraças e a tanta notícia má, como se não houvesse nada de bom para publicar.
Sem duvida que a comunicação social é um reflexo do grande mal-estar da nossa sociedade contemporânea, obrigando-nos, pelo exagero, com que destacam e incidem sobre, as notícias, a tomar uma consciência maior, sobre a realidade e as diferenças abismais entre os países desenvolvidos e os pobres, sobre actos violentos, desde conflitos étnicos ou raciais, em bairros específicos, de uma determinada cidade, como atentados terroristas onde morrem pessoas inocentes, que nada têm a ver com os ideais fundamentalistas e que só querem trabalhar e (sobre)viver.  As injustiças laborais, os graves problemas económicos, ambientais, o petróleo, a taxa de natalidade, a saúde, pedofilia… Até à promoção de produtos e valores, objectos de consumo, como se eles fossem capazes de nos compensar e de amenizar os sintomas do grande mal-estar da nossa civilização.
«Já leu, sobre esse grande acidente na A1 norte? Morreram nove pessoas!»
«Já li, sim!»
«A semana passada houve um outro acidente, com emigrantes e morreram todos. O carro caiu por uma ribanceira! Só desgraças! Eu fico tão nervosa com essas notícias!»
«E tem razão para ficar! Os jornais, a televisão, exageram nas notícias. Somos bombardeados constantemente, com informação de acontecimentos nefastos, ou pela banalidade. Por isso, hoje tanta gente sofre de depressão, stress, síndrome do pânico, anorexia, bulimia… Há uma tendência para banalizar o que é trágico, a violência, a perversão…, tudo o que de mau acontece nos diversos cantos da Terra, em cada bairro ou rua. É necessário informar sobre o que acontece no mundo, mas o que é de facto importante, significativo e não o que é menor e nada temos a ver sobre o assunto; o marido que matou o amante da mulher, a senhora que foi atropelada, o assalto ao banco… Viu, dona Albertina no outro dia estiveram toda a tarde, em directo a dar o assalto a um banco em Setúbal?»
«É verdade, senhor Fernando! Não precisávamos de saber tanto!»
«Depois é o bando de negros, que são contra os ciganos, os assaltos efectuados por gangs de emigrantes vindos dos países de leste, as brasileiras que trabalham nos bares de alterne, os debates sobre o casamento gay… Já não posso com todas estas notícias!
Há por aí, muitos Orson Welles, mas sem criatividade alguma!»
«O que quer dizer com isso, senhor Fernando?»
«Orson Welles?! Orson Welles foi um famoso locutor, que mais tarde esteve também ligado ao cinema, que produziu uma transmissão radiofónica em directo, sobre a Guerra dos Mundos. Nem imagina o pânico que causou nos ouvintes que estavam naquele momento sintonizados com aquela estação de rádio! Uma invasão de extra-terrestres; marcianos que invadiam Londres e que aniquilavam os humanos. A dramatização radiofónica foi perfeita, em tom jornalístico, foi um sucesso mundial! Orson Welles nunca imaginou que a adaptação que fizera da obra homónima de Herbert George Wells, tivesse aquele impacto.
Aqui, também criam o pânico, ao divulgarem notícias não sobre o que é real, concreto, havendo imparcialidade, mas uma emotividade doentia, dando largas à imaginação, realçando sempre o lado negativo, do que virá, do que acontecerá; das diversas probabilidades escolhem sempre a que causa mais impacto, sobre quem ouve, vê, ou lê. Lembra-se D. Albertina, da doença das Vacas Loucas? De repente ninguém queria comer carne de vaca! Depois a Gripe das Aves! Sim, devem informar! Mas, é um exagero como tentam passar a mensagem.
Precisamos de gente nova, com ideias diferentes, que pensem pela sua cabeça, capazes de estar à frente de um jornal, de uma estação de televisão, suficientemente conscientes do seu papel na sociedade, que estimulem os jornalistas a dar notícias importantes, reais, que tenham a ver com o colectivo, com o que de significativo acontece no mundo e aqui. Mas, não! Andam à procura do que é fácil e se uma agência noticiosa divulga que há um incêndio numa casa já velha, numa zona histórica de uma qualquer cidade, e que morreram umas quantas pessoas…
Lá vão todos! Os directos! Todos os canais ao mesmo tempo, falam exaustivamente no mesmo assunto; e por que fez e aconteceu, e se isto e por aquilo…, dias e dias. O mesmo acontece com os jornais. As primeiras páginas, abordam os mesmos assuntos, só mudam as fotografias e os títulos das manchetes. Não haverá notícias mais importantes a dar?! Mas para que existe uma entidade reguladora, para a comunicação social, se a imprensa está entregue, concentrada, é pertença de grandes grupos económicos? O dinheiro, hoje, vence tudo! O povo só gostará de telenovelas? Passam umas atrás das outras, em quase todos os canais em hora nobre. Já não há programas de música, a não ser os de conquista de novos talentos, torná-los famosos, criar-lhes ilusões e de seguida, atirá-los para o desemprego, fazê-los sentir o país que temos e o quanto é difícil viver sendo artista, já não se educa! … A dona Albertina é que faz bem, não lê esse tipo de notícias!»
«Mas, depois vêm-me contar! Mas vejo sempre as novelas, não tenho outro entretenimento. Ai, gosto muito, senhor Fernando!»

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