quarta-feira, 18 de maio de 2011

A minha mãe tem-se sentido pior. A idade não perdoa. Sofre de osteoartrite; artrie degenerativa, afectando as articulações e durante o inverno ainda mais dificuldade tem em executar certas tarefas. Uma delas é a de passar a ferro.
Ela desde que a Celeste nos deixou, passou a fazer tudo em casa sozinha. Houve uma altura que ainda contratou uma senhora, que vinha duas vezes por semana, limpar-lhe a casa, passar a ferro…, mas depressa se cansou. «Não faz nada de jeito! Tenho de andar sempre atrás dela, a chamar a atenção! Ainda me canso mais!» Agora, precisava de alguém que a ajudasse, mas continua renitente em ter gente estranha em casa. Passei eu a auxiliá-la na lida da casa, no que lhe era mais difícil, mas depressa assumi a responsabilidade de ser eu a tratar, principalmente da roupa. Não pode com pesos. Ponho-a na máquina, estendo-a e passo ferro.
Uma vez o ferro, esse também a vapor, ao passar numa tábua já velha, que se desmoronou, sem que nada pudesse fazer, caiu no chão, e continuando a funcionar, mas não tão operacional para deslizar sobre a roupa e tirar-lhe os vincos, como deve ser. Então, eu que gosto de pintar, de fazer novas experiências, enchendo-o de água e adicionando corante, pintei uma série de calças de ganga já velhas, às cores, com os esguichos e o vapor de água, que deitava, alisando e manchando ainda mais ao passá-lo por cima. Não sendo para as usar no dia-a-dia, mas que ficaram bem divertidas e originais. Houve quem me perguntasse, onde as tinha comprado, pelo facto de também quererem umas parecidas.
 Apesar de não conseguir, e de lhe dar muito jeito que seja eu a fazê-lo, não se cala, com as suas lamentações, achando ela, que eu não deveria fazer aquele tipo de serviço, na ideia dela, menor, não próprio para um homem.
«Não entendo, mãe, porque não pode um homem passar a ferro? Isso é preconceito! É um trabalho que requer perícia, e isso é comum aos dois géneros. Poderá haver quem não goste de o fazer, mas eu até não me importo.»
Lembro-me quando era mais novo, de ter ido a casa de um amigo, meu, e de termos entrado e encontrado o pai dele na sala, diante da tábua de passar, às voltas com umas calças e de ter ficado constrangido com a minha presença, não parando de se justificar. Na verdade existe esse preconceito. Hoje já não tanto. Ainda há pouco tempo fui a um shopping, a uma lavandaria e havia um homem a cuidar da roupa e a passar a ferro.
É tudo uma questão cultural. É na família que a criança aprende as primeiras mensagens sobre o género, e a influência que as figuras mais próximas, principalmente o pai e a mãe, exercem sobre o seu desenvolvimento psíquico e emocional, por tudo o que dizem e fazem. A oferta diferencial de brinquedos, a atribuição desigual de tarefas, a promoção de características diferentes da personalidade, crenças diferenciadas acerca das capacidades cognitivas, observações e mensagens diferentes sobre o comportamento sexual…, poderão criar alguns bloqueios e acentuar a dificuldade de sociabilização e de realização sócio/profissional. A educação deverá ser livre de estereótipos de género. Lembro-me da Celeste obrigar a fazer a minha cama e arrumar o quarto e também de a ajudar na cozinha. Na altura os meus amigos não viam isso com bons olhos, e até chegaram a tecer criticas menos meritórias quanto à minha masculinidade, ao que eu nunca valorizei.
Revolvi comprar um ferro de engomar novo, destes moderno a vapor, que me facilitasse a vida e me permitisse desempenhar a tarefa de engomadeiro depressa e bem. Pedi ajuda ao funcionário da loja, mostrando-se muito solícito e conhecedor dos equipamentos, pronto a ajudar-me, como se ele, também, sentisse na pele a árdua tarefa de engomar. «Este é óptimo! Potência máxima é de 2750W, tem caudal de vapor constante; 40g/m, em super vapor são 120g/mn, vapor vertical, regulador de vapor de duas posições, dois antical: auto limpeza automática, antical integrado, base palladium-glissée, sistema anti-gotas drip stop, depósito translúcido de 300 ml, punho soft touch.»
«Não estou a entender nada. Eu só quero um ferro de engomar a vapor. Acha portanto que este é bom?»
«Sim este é muito bom! Vende-se muito bem e nunca tivemos qualquer reclamação.»
«Está bem, levo!»
Passar a ferro é para mim uma terapia. E este novo ferro parece estar ensinado. Ligo-o à corrente eléctrica e rapidamente atinge o calor suficiente para deslizar sobre a roupa e assim tirar todos os vincos.

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