quarta-feira, 18 de maio de 2011

Ontem, discuti com o engenheiro da obra! Eu entendo que ande sobre tensão e que não seja fácil lidar com tanta gente, conseguir que façam exactamente o que quer, com o rigor que exige, com a perfeição que pretende, e atingir os timings certos, para conclusão dos trabalhos, de acordo com os contratos estabelecidos. Mas, não posso admitir que ele descarregue as frustrações e o mau feitio em cima de mim. Não tenho culpa, que não se saiba impor, ter autoridade sobre o pessoal que coordena. Eu cumpro! Tento sempre, que posso, fazer o que me compete e por vezes até colaboro no que não faz parte do meu serviço e competências, saindo muitas vezes fora de horas, sem que tenha alguma recompensa e reconhecimento por isso, por parte, seja de quem for. E depois ainda levo estes desaforos. Por vezes pergunto-me se estou a proceder bem, em não me limitar, somente às minhas tarefas e se estarei ou não a beneficiar o patronato e a prejudicar os outros trabalhadores, com as minhas cedências e excesso de zelo.
Desde que entrei, aqui, nesta firma de construção civil, que me tenho esforçado por aprender e conseguir corresponder às expectativas. Não tem sido fácil! Nunca trabalhei por conta de outrem, ou se alguma vez o fiz, foi numa fase transitória, logo que saí da escola e por pouco tempo, que nem me lembro.
Materiais de construção não são o meu forte, apesar de gostar de trabalhos de bricolage. Entretenho-me sempre que é necessário a fazer pequenos arranjos ou na reorganização e melhoramento do espaço que me acolhe todos os dias e onde também vive a minha mãe. Há dois anos, no verão estive a pintar a casa. Detesto pintar tectos. E quem gosta?
Mas aprendi depressa. Não havia tempo para não aprender de outra maneira. Tudo aqui acontece, quase em simultâneo; os telefones que tocam, o fax para enviar, ir ao correio, abrir a correspondência, contactar empreiteiros, outros construtores, fornecedores, contabilizar saídas e entradas de material, ir à obra quando é necessário, desenvolver estratégias de vendas, ir à gráfica ver os folhetos, relativos às casas que estão para venda, marcar e ter reuniões com as imobiliárias, mostrar os andares, as vivendas, as garagens aos interessados compradores, marcar escrituras e tratar de toda a documentação, sem de nada me esquecer, para que elas se realizem, etc, etc, etc… Irra, não pára!
Tenho direito a um mês de férias, mas nunca as gozo quando quero. Quando penso que estou de partida, para sair deste desassossego e ter uns diazinhos à beira praia, com tranquilidade; essencialmente dormir, dormir até tarde. Não! Não posso ir! Ligam-me e inventam mil trabalhos com urgência, como se as minhas férias não fossem muito mais urgentes. Dão-me subsídio de alimentação, tenho um carro da empresa, para me deslocar, que uso também ao fim-de-semana; dou os meus passeios, e até já o levei para férias, também tenho direito a umas quantas senhas de gasolina… Mas já não está a dar.
Ontem, despediu o Zé Grande. O homem fartou-se de chorar e de lhe pedir mil desculpas. Mas na verdade ele já o tinha perdoado n vezes. O Zé é um excelente trabalhador, mas quando bebe, deixa de fazer o seu trabalho, para se converter num mau operário, destabilizador e mau dizente. Ele já o tinha avisado, que um dia o faria. E tinha-o proibido de beber. Mas logo pela manhã, antes das oito, tomava de um golo só, a primeira aguardente antes de entrar na obra, ali mesmo ao pé, na taberna da Ti Chica. Mas, pior era depois de almoço, em que não só se encharcava em mais de um litro de vinho tinto, daquele bem carrascão, como depois bebia com o café, mais dois ou três digestivos, para acabar com a festa e começar com o inferno.
O Zé não faz mal a uma mosca e tem a cargo uma grande família; uma mulher doente, que já foi operada a um peito e que se safou, depois de muita radioterapia, tratamentos…, cinco filhos; tendo o mais velho, quinze anos e a mais nova, não ainda três. Talvez por isto tudo ele se sinta desgostoso e impotente e se entregue à bebida, para melhor levar os dias; a mulher, doente, sem trabalho, filhos para criar e dar educação… E abuse da boa vontade e tolerância dos que se têm condoído com a sua pouca sorte e miséria. Ele possivelmente acharia que fizesse o que fizesse, teriam sempre pena dele e que o valorizariam pelo seu profissionalismo nos períodos de sobriedade, já raros.
O engenheiro disse-lhe que não voltaria a trás e que ele se fosse queixar onde quisesse, que desta vez é que era e por justa causa e com direito a processo disciplinar.
O engenheiro é complicado de lidar e quando lhe salta a tampa é difícil calá-lo, tirar-lhe a razão, mesmo que não a tenha. Eu deixo-o sempre a falar com as paredes, quando não há forma de estabelecer um diálogo que beneficie o que se pretende concretamente realizar de acordo com o trabalho e os objectivos. Ele não é exemplo, para ninguém! Tem a teoria, mas falha-lhe a prática. Sabe exigir e dar ordem, mas nem sempre há saber e lógica no que diz e a sua teimosia leva-o, a não só, ser indesejado, como ridicularizado, até por um comum trolha, que não tendo estudos, tem o saber de uma vida dura, tirado sob chuva e frio, ou à torreira do sol, durante anos e anos. «Engenheiro, engenheiro! Tem a mania que sabe tudo, só por que tem um canudo! Meta-o o cu!»
A minha discussão foi acesa. Desta vez não o deixei a falar sozinho e disse-lhe também o que dele pensava, como profissional. Se eu tinha deveres, ele também os tinha e se eu era cumpridor dos meus, ele também, que se responsabilizasse por o que acontecia sobre a sua alçada e não atirasse as culpas a, mais ninguém.
Ele como responsável pela obra, deveria estar presente desde o início dos trabalhos, a fim de orientar e de canalizar o pessoal para as tarefas prioritárias, e discutir com os mestres empreiteiros, a melhor maneira de as realizar, sem ter o rei na barriga e achar que a sua visão é sempre a mais lúcida, até saírem todos os funcionários e fechar o estaleiro. Mas nem sempre isso acontece. Chega tarde. É o primeiro a sair para almoçar. Chega depois de almoço, a más horas e nem sempre o sentimos estimulado para a realidade do momento. Depois, é o que se vê; desorganização, o pessoal parado, sem tomar a iniciativa, por que depende das ordem do chefe, e por vezes fazendo-o de propósito, assim como o desaparecimento de materiais e de ferramentas.
Eu, vou frequentemente à obra, mas o meu serviço, é mais no escritório, estabelecendo contactos e resolvendo assuntos com fornecedores e também de pessoal… Eu procuro não ultrapassar os poderes inerente às funções que exerço e limito-me quando necessário a pedir autorização a quem, hierarquicamente dependo. No entanto não admito que se metam no meu serviço e venham atirar postas de pescada, e ensinar-me a trabalhar. 
O patrão diz que a construção vai de mal a pior. E eu acredito. Acredito e sei. Os papéis passam-me pelas mãos. Mas também me sinto prejudicado, e terei de falar outra vez com ele, por causa do meu salário. Com a desculpa de que os tempos não são os melhores e há que fazer sacrifícios, não tem havido aumentos salariais. E também não pagam horas extraordinárias. Eu não saio à hora, fico sempre mais um pouco, por que me sinto na obrigação de deixar tudo em ordem para o dia seguinte, mas também já não me excedo muito, para chegar tarde a casa. Durante o horário estabelecido eu trabalho; dou o litro. Ele terá que rever a minha situação e aumentar-me o salário. Tudo está difícil, mas as despesas pessoais dos administradores aumentaram; aquisição de carros, de segunda habitação, viagens para o estrangeiro, mais plafon para cartões de crédito, senhas de gasolina, despesas de representação…E eu e os restantes empregados é que devemos ter sentido de responsabilidade e espírito de sacrifício, para que haja trabalho e a empresa perdure. Tenho que ter uma conversa séria e tentar que este ano, ele me aumente, pois o que me paga já não está a dar para que tenha uma vida, não digo desafogada, digna.

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