quarta-feira, 18 de maio de 2011

Abro a Astroflash todos os dias às dez horas. Antes subo ao primeiro piso do centro comercial e tomo o pequeno-almoço. Todos os dias aparecem caras novas, mas começo a fixar as que à mesma hora passam, ou para irem trabalhar, ou ao supermercado… É curioso como as pessoas criam rotinas e ficam presas a elas, nem que seja para saírem da loja e tomar o café, como uma das empregadas da boutique, em frente, que todos os dias às onze horas e cinco minutos, fecha a porta e sai, para regressar, passados sete a oito minutos. A não ser que tenha alguém para atender, mas é raro, ou então despacha o cliente o mais rápido que souber. Parece que tudo se encaixa e se repete, como um déjà-vu. É interessante observar as pessoas e tentar conhecê-las, pelo seu comportamento, que dizem, pelos hábitos… E sem querer quase que as adivinhamos, sem que se apercebam.
Há dois dias, durante a manhã, tive uma senhora, que a medo se aproximou e perguntou muito baixinho o que eu vendia ali. Eu expliquei-lhe tudo, tim-tim, por tim-tim. Ela ouviu-me atentamente e resolver fazer um estudo.
Era magra, franzina, vestia um vestido simples de uma cor deslavada, não lhe favorecendo o rosto, muito branco, mas macilento, desprovido de qualquer maquilhagem. O cabelo caía-lhe nos ombros, escorridos, como acabados de lavar e secos ao ar. Tinha um sotaque estranho; uma mistura de nortenho, com afrancesado. Francamente achei que tinha diante de mim, uma sopeira. Uma mulher nascida numa aldeia do interior, e que terá emigrado para França ou para a Suíça, e passado a vida a servir em casa de uma qualquer madame, ou a fazer limpeza num de muitos cafés ou restaurante parisienses.
Estive a ajudá-la a interpretar o estudo e por estranho que me parecesse, dava-lhe características e qualidades surpreendentes, o que me levou a pensar, que, os dados que me dera estavam errados ou as funções que desempenharia, seriam certamente outras, e que o restaurante até poderia ter mais uma ou duas estrelas, do que a tasca que inicialmente imaginei.
Perguntei-lhe se ela estava convicta dos dados de nascimento que me dera e até verifiquei se os tinha introduzido correctamente.
Ela achou curioso o texto e fomos trocando impressões. Por fim, não resisti e acabei por lhe perguntar se era emigrante e estava, cá de férias, desculpando-me com o sotaque. Ela sorriu e logo espondeu que sim.
«Os meus pais emigraram cedo, ainda eu era pequena. Eu sinto-me mais francesa que portuguesa. Nunca vim, quando nova a Portugal. Agora venho mais vezes, por motivos profissionais.»
Profissionais?! Fiquei intrigado. Afinal ela viaja e não está enfiada em nenhum restaurante, a trabalhar, nem faz limpezas, não era faxineira.
«Posso perguntar-lhe o que faz, já que o seu estudo lhe é tão positivo, no que se refere às oportunidades e realizações, no âmbito sócio- profissional.»
«Eu trabalho, na União Europeia, em Bruxelas, sou Comissária Europeia e venho frequentemente a Portugal reunir-me com representantes do governo português.»
«Ó senhora Comissária, muito prazer! E uma boa estada, em Portugal, em trabalho, claro! E volte sempre, que esteja em Lisboa.
«Muito obrigado! O prazer foi todo meu!»
Os ditados populares, são de grande sapiência e há um de que nunca me hei-de esquecer; Quem vê caras não vê corações! Ou melhor; nunca julgueis pela aparência!


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