quarta-feira, 18 de maio de 2011



Hoje, faço doze anos! Finalmente, tenho doze anos! Todos os anos fico muito contente por ser mais velho.
A minha mãe vai fazer-me uma festa. Já convidei todos os meus amigos, colegas de escola. Os meus vizinhos também vêm. A minha mãe, ontem, falou com a tia Maria e a D. Adelaide. Elas também lhe disseram que tinham muito gosto em estar presentes.
Ontem, todo o dia estiveram fechadas na cozinha. A Celeste é uma óptima cozinheira e doceira. Só não gosto quando ela confecciona peixe. Principalmente peixe cozido. Mas, tanto a minha mãe, como ela dizem que tenho que comer peixe e legumes, muitos legumes; a cenoura faz bem aos olhos, em vez de me deliciar somente com as estaladiças batatas fritas, que também ela, com tanto carinho, faz, para o seu menino, e a tenra hambúrguer, com ovo a cavalo. Também não gosto de sopa. A minha mãe e o meu pai estão sempre a elogiar as sopas da Celeste. Ela, apesar de eu já ter doze anos, feitos hoje, ainda me dá a sopa à boca. Ainda, há poucos dias, me obrigou a comer tudo, a bem do meu crescimento e da minha saúde. Eu fico sempre muito zangado, esperando solidariedade de meus pais, perante tal humilhação, mas eles nunca dão importância às minhas contestações, nem lhe retiram a autoridade, que tem sobre mim, em assuntos de alimentação e relacionados com o meu quarto; exige que o tenha sempre arrumado e seja eu a fazer a cama.
O arroz-doce está delicioso. Já o provei. A minha mãe, depois de o distribuírem por diversos pratos de vidro, coloridos, que só são usados, quando alguém cá de casa faz anos, ou são festejadas outras datas importantes, chamou-me para que rapasse o tacho. A Celeste generosamente deixou bastante arroz pegado ao fundo e salpicou-o, antes que comesse, ainda quente, com muita canela, como eu gosto.
Pão-de-ló, pudim-mentiroso, uma especialidade de família, sempre que é feito, a minha mãe, cuidadosamente procura no livro de receitas, já velhinho, ainda escrito pela mão da avó Irene, e segue religiosamente as quantidades, para que o resultado final, também, faça recordar outras festas. Como se matasse as saudades de sempre, do tempo perdido. Mousse de chocolate, gelatinas, salada de frutas…
Na cozinha e em cima dos móveis da casa de jantar já não cabe mais nada.
O pão já está cortado, mas a Celeste, só um pouco antes de os convidados chegarem, é que, coloca o fiambre, o queijo e o paio, para que as sandes estejam apetecíveis também aos olhos e sejam as primeiras a marchar. E que seja um lanche ajantarado e se prolongue pela noite.
Hoje, vou-me deitar mais tarde. Sempre que há festa, tenho autorização para me deitar um pouco depois da hora habitual e partilhar do convívio com os mais velhos, depois de os pais dos meus amigos os virem buscar.
«Fernando, vem cá! Precisamos de ti! Vai ali, à quinta da tia Maria e traz limões, para fazer limonada.»
A tia Maria vive sozinha, numa casa perdida numa grande quinta. Ficara viúva, mas não perdera o alento para trabalhar e tratar daquele grandioso pomar, apesar de ter sempre pessoal, sazonalmente, para dar vida à terra ou fazer as colheitas.
«Vai e não te demores. A tia Maria ligou-me e disse-me que o Manel, já tinha enchido dois sacos com limões.»
Antes de sair, gosto sempre de me olhar ao espelho e de me ver. A Minha mãe como sabe deste meu apreço em me admirar antes de bater com a porta, faz sempre questão de me espreitar para de seguida me chamar de vaidoso.
«És bonito, sim! Mas não percas tempo, aí especado, ao espelho, que o gastas! Vai, mas é buscar o que te pedi!»
Eu costumo brincar com os meus amigos na quinta da tia Maria. Ela gosta que a visite e leve outros miúdos da minha rua, comigo, ou colegas de turma. Sente-se acompanhada e gosta de nos ver correr, subir às árvores e fazer de todo aquele terreno, uma pátria de brincadeiras.
Do outro lado da minha rua, mora o João. Ele é mais novo do que eu. Temos uma diferença grande de idades. O pai dele nasceu na mesma terra da minha mãe, no Alentejo. Ele tem somente sete anos. Está ainda na escola primária. Eu já estou no ciclo preparatório, e tenho doze anos! Gosto dele! É simpático, mas é um puto. Não tenho, já muita paciência, para certas brincadeiras e da atenção que ele de mim requer.
«João, logo vais à minha festa?»
«Sim, vou! A minha mãe deixa-me ir e até já comprou um presente, para logo te oferecer. Ela, também lá vai, depois de dar o jantar ao meu pai.»
«O que tens na mão, João?»
«É a minha prenda! Fui eu que a fiz! Com arame e elástico. Queres ver como funciona?»
«Ai! Ai! Acertaste-me!»
O que é que me fez o João?! Ai, como me dói! Não consigo tirar a mão da cara, tenho qualquer coisa, no olho.
«Pára de me pedir desculpa e vai chamar a minha mãe!»
Ouvindo os meus gritos e a minha aflição, a minha mãe acode-me desorientada e surpreendida, com o que estava a acontecer.
«Celeste, telefona para o senhor e diz-lhe que vá ter comigo e com o menino ao hospital que eu vou já andando.»
«Mas o que foi, minha senhora?»
«Faz o que te digo!»

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