quarta-feira, 18 de maio de 2011

Se fosse mais novo emigrava. Para além da idade que tenho, também não iria deixar a minha mãe, aqui, a não ser que ela fosse comigo, mas isso seria impossível. Ninguém a tiraria deste cantinho à beira-mar plantado. Penso nisto. Sempre pensei, mas sou como a minha mãe e ela serviu-me sempre de desculpa, para não me aventurar e emigrar. Somos um povo sempre disposto a partir e somos muitos, espalhados pelo mundo. Desde sempre nos voltámos para o mar, descobrimos novas terras, povoámo-las, invadimos outras, cruzámo-nos. E continuamos sempre a olhar longe, como se quiséssemos crescer para os horizontes que nos esperam e nos querem ensinar outras coisas; a universalidade.
O Homem inicialmente era um animal, racional, claro, nómada. Sempre pronto a descobrir os lugares onde lhe fosse mais propicia a (sobre)vivência, onde houvesse mais caça, mais alimentos que a terra lhe oferendasse, um clima suportável, menos predadores que fossem perigo ao seu bem-estar, à sua própria vida. Ao evoluir, fazer descobertas, começar a cultivar, a criar animais, tornou-se prisioneiro da terra, calculista e ambicioso. Passou a ter a noção de riqueza, sentido de posse, e a não necessitar de se deslocar para obter o fruto da natureza, gratuitamente, pelo que passou a trabalhá-lo. Claro, que, as migrações, continuam, o Homem procura encontrar outras formas de sobrevivência, quando o seu habitat, já lhe é pequeno para as suas necessidades. Muitos emigram, para as regiões do litoral, fugindo das profundezas de um interior, onde pouco acontece, cada vez mais desertificado de gente e de oportunidades. As terras, agora, abandonadas, por o agricultor, cansado de não conseguir da agricultura, mais do que ela lhe dá para comer, sonhando em trabalhar, ser operário, ganhar melhor, fazer parte da civilização, consumir, acreditar-se grande, sendo comum, perante as múltiplas ofertas que o mundo moderno alicia, tornando-se escravo de um sistema, tornando-se mais frágil, doente e menos livre.
Os animais são bem mais livres de se cumprirem no seu ciclo de vida, escolher os lugares que lhe sirvam, não só à sobrevivência como à reprodução. Há pouco tempo uma “família” de flamingos habita as margens do Tejo, junto à foz. Nunca me lembro de os ter visto, senão nestes últimos anos. As mudanças climatéricas no planeta, levará, a alterações migratórias, também em outras espécies. Mas sempre assim foi. O planeta está vivo e em constante mudança.
Lembro-me, de quando pequeno, o meu pai ter falado em África, Angola. Ele pensou durante uns tempos em partir, emigrar. Muita gente fora para colónias portuguesas. Procuravam outras oportunidades, numa terra, que na época era portuguesa e onde se falava o português, em expansão, com um clima fantástico. Depois de 61, quando começou oficialmente a guerra no ultramar, a ideia dele foi-se desvanecendo e deixou de falar no assunto. O melhor amigo de meu pai, fora para Angola e era ele, quando escrevia, que estimulava o meu pai a largar tudo, aqui, e partir, recomeçar uma nova vida, numa terra de abundância. Ele fora trabalhar para a Fazenda Pública e quando vinha, de quatro em quatro anos, numa viagem a que chamavam de Graciosa e aqui ficavam por seis meses, dizia maravilhas.
Vinham de navio. Levavam uns quantos dias, mas durante a viagem, tanto era o que acontecia no paquete, que ficariam como inesquecíveis, aquelas travessias no Atlântico, entre Luanda e Lisboa, ou vice-versa. Hoje, tudo é bem mais rápido e sem tempo para festas durante a viagem. Já não há navios. Os que existem são para turismo. O comboio, o avião, o carro, são os meios de transporte mais utilizados. Nestes últimos anos, tanto os transportes, as estradas, as linhas férreas, os aeroportos evoluíram e proliferaram e torna-se cada vez mais fácil ir de uma cidade a outra, mesmo que fique no fim do mundo. Há muitos anos para ir ao Porto, era um dia e hoje, vou e venho no mesmo. Tenho um amigo que vive em Leiria e trabalha em Lisboa. Há uns anos era impensável, demasiado longe.
Já eu tinha talvez uns oito anos, um outro amigo de meu pai, colega de trabalho, fora para França e esse também, depois de lá estar, escrevera a dizer-lhe que se ele quisesse lhe arranjaria casa e trabalho, com óptimas condições. Mais tarde, vim a saber, que as razões que levaram o tio Manuel a ir para Paris, não eram as mesmas de outros portugueses, a maioria, que emigravam. Havia muita gente a sair do país, procurando, na França, Alemanha e Suíça, uma vida melhor. Aqui, ganhava-se mal, não havia trabalho, éramos um país pobre, pouco desenvolvido, com uma indústria pouco modernizada, quase inexistente, a agricultura e as pescas pouco evoluídas e os jovens teriam de passar pela provação da Guerra Colonial. O tio Manuel tivera de fugir, por razões políticas. Fora avisado que a PIDE o iria prender e antes que acontecesse, houve alguém, que eu nunca soubera, o levou de carro até à fronteira, para que a atravessasse a pé, a salto.
Depois do 25 de Abril, todos, ou grande parte, dos que se tinham aventurado e emigrado para as colónias portuguesas, com a descolonização, retornaram em massa, à terra natal, à metrópole e de novo, tiveram de reconstruir a vida, depois de terem perdido tudo, alguns vieram com a roupa que tinham no corpo. Os retornados. Assim eram apelidados, como se fosse gente rara; filhos pródigos, que voltavam depois de terem usufruído do paraíso, para reconquistarem a terra perdida, e o emprego aos que cá sempre viverão entretidos com o osso. Mas essa gente, sendo inicialmente, mal aceite, contribuíram para uma mudança de mentalidades, deram cor a um Portugal, ainda cinzento, acabado de sair da longa noite ditatorial, que nos cristalizou e nos fechou ao resto do mundo moderno.
Quando era miúdo e pelo facto de ser raro ver alguém de cor, quando vi pela primeira vez um negro fiz uma festa. Fui ter com ele e cantei-lhe uma lengalenga, que até poderia não estar de acordo com a origem do homem. Ele achou-me graça, tal como eu a ele.

Truz...Truz...
Quem é?
É o preto da Guiné
Lava a cara com café
Tem vergonha de ir a missa
Com sapatos de cortiça.


Depois da revolução e da independência das colónias ultramarinas, a mescla humana, tornou-se mais diversificada. Nos anos 80, 90 recebemos outros emigrantes, os dos países de leste. Os brasileiros também nos escolheram como uma segunda pátria, terra de oportunidades e sempre fomos bons anfitriões, seja quem for, no que creia, o que fale e faça. Tanto somos capazes de nos integrar no exterior e dar provas capacidade de trabalho, fácil sociabilização, como de aceitar e abrir portas a quem nos quer visitar e por aqui querer ficar.
Esta terra sempre viu chegar e partir; romanos, visigodos, celtas, mouros… Habitámos todos os cantos do mundo e somos uma casa para o mundo.
Sofremos a aculturações por quem nos “invadiu” e aculturamos quem visitamos.
A Cultura de um povo, as tradições, elas evoluem, de acordo com as épocas, as crises, a abundância, as características do território, as influências que sofremos do exterior, seja a nível cientifico, social, politico, religioso…O sairmos de Portugal para viver longe e persistir rigidamente viver segundo a nossa cultura e tradições, parece-me mal. Claro que poderemos sempre, que queiramos ou possamos, comer o que de melhor tem a nossa gastronomia, ouvir a nossa música, por exemplo o fado, para assim matar saudades, mas continuarmos presos a tradições ancestrais, que possivelmente quando cá habitávamos nem ligávamos, como a música regional, os ranchos folclóricos… parece-me doentio. Criando-se uma nostalgia de cultura da couve-galega, mais a do chourição e do garrafão de tintol. Somos um povo aberto, e capaz de acolher outros povos, e nas últimas décadas, muitos foram os que escolheram Portugal para viver. E coabitamos bem, sem grandes problemas e conflitos sociais. Há alguns bairros, mais problemáticos, mas na origem de alguns incidentes, não está nem a raça, nem a cultura, mas as carências e as dificuldades que essas pessoas passam, não tendo havido capacidade politica para responder a certos problemas e de não se ter feito um estudo social adequado e ponderado, quando do realojamento de comunidades que habitavam bairros degradados da capital, ou de outras regiões do país.
Aqui, querem andar de cara tapada, lenço na cabeça… Tudo bem! Respeito! Mas acho, que deveriam ter consciência de que estão num país, que os aceita mas que não tem por norma andar de cara tapada, mas sim lavada e aberta à sociabilização. Por que se nós, principalmente as mulheres, as que tiverem de ir para esses países onde é proibido andar de cabelo ao leu, seria terrifico. A língua é importante para a integração social em qualquer outro país. Estar longe da terra natal e falar a mesma língua é como estar em casa.

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