quarta-feira, 18 de maio de 2011

«Como podes concordar com um crime hediondo, como este? Um atentado à vida! O Santo Padre já comparou a despenalização da interrupção voluntária da gravidez ao terrorismo e com toda a razão. O aborto é uma variante da pena de morte! Mas que legitimidade tem o Estado Português, a Assembleia da Republica para legislar sobre este assunto? E como pode uma mãe ser capaz de matar o seu próprio filho? Que horror! Mas acredito na justiça divina! Somos um país católico, o Sim, nunca poderá vencer.»
A minha mãe não aceita que possa ser legalizado o aborto. Agora, que se aproxima o referendo, não se cala, achando, que só ela defende a vida, ela e todas as boas almas, que votarão Não. Os outros e eu, somos cúmplices de matadores de inocentes. Ontem fiquei estupefacto com a conversa que ouvi; uma amiga de minha mãe dizia-lhe que na Alemanha, onde o aborto fora legalizado, já não havia crianças, só pretos. «Querem que Portugal fique igual?» Eu não abri a boca. Pedi licença, inventando uma desculpa, para me retirar e fui à minha vida. Tentei logo esquecer o que ouvira, não deveria perder tempo algum, com análises ou reflexões profundas sobre tal conversa.

«Eu sou a favor da despenalização do aborto e vou votar no Sim! O aborto sempre existiu. Sempre existirá. Não acredito que alguém seja a favor do aborto. Eu não sou. Não acredito que haja mulheres que tenham o vício de abortar, alguma que o faça por prazer, que engravide de propósito, para “matar” como diz a mãe, logo a seguir, o seu próprio filho… Não! Não acredito que seja assim! E se houver, quem por negligência, incapacidade psíquica, perturbação mental, o faça com frequência, então deverá haver, igualmente leis, que imponham uma resolução clínica, para essas situações, como por exemplo, a laqueação de trompas. Mas o que está aqui em causa, é um outro problema; é dar condições, a todas mulheres que optem por interromper a gravidez, no período que a lei estipula, assistidas num serviço hospitalar, num centro de saúde, por profissionais de saúde, competentes e gratuitamente. Uma mulher, que em consciência o faça, não poderá tomar uma decisão dessas de ânimo leve, e certamente, no regime actual, a culpa será ainda maior, por que o sistema a considera uma criminosa, não lhe bastando os seus conceitos religiosos e morais, como pena maior, de seu sofrimento. Por que quem tem dinheiro, vai a Espanha e faz numa boa clínica, é tratada como gente. Aqui, neste país, se for preciso até em vãs de escada, há abortadeiras, que levam o coiro e o cabelo, sem quaisquer condições de higiene, nem sapiência. Outras mulheres cometem auto aborto, com mezinhas, agulhas de croché…, depois as consequências causadas pela incompetência de quem, apenas quer enriquecer com a desgraça dos outros; as infecções, perfurações de órgãos, a esterilidade e a morte. A causa de morte por aborto é elevadíssima. A mãe sabia?»

Por muito que argumentasse, nada a faria mudar de opinião, mas não pretendia, de forma alguma, que pensasse como eu, mas também, achava, que tinha o direito de lhe dar a minha. Estamos num país livre, numa democracia participativa, em que os cidadãos têm o direito de se manifestar, em condições iguais de participação, em que o debate público é fundamental, o esclarecimento e a decisão por referendo é uma mais-valia ao poder político, à cidadania. Ela é mais conservadora que eu, mas não significa que esteja, nesta ou em outras questões, completamente errada e eu certo. Mas temos olhos diferentes quando observamos o mundo. Sempre assim foi.
Lembro-me muito da dona Conceição. Era ainda pequeno, andava na primária, quando a descobri. Vivia perto de nós, era surda e a campainha da porta não tocava, mas acendia as luzes da casa, para que soubesse que alguém ali estava, para a visitar. Tinha um papagaio. Devo-lhe a ele a nossa eterna amizade, por estar à porta, no seu poleiro, constantemente a falar, a meter-se com quem passava.
Ela era uma mulher de muita idade, alta, vivia sozinha, era devota a Deus, protestante evangélica e tinha um ideal político que se opunha ao regime da época.
 Ensinou-me a jogar damas. Tardes passadas em sua casa, entre o tabuleiro de damas e conversas de sabor proibido, faziam-me despertar de espanto. Ouvia-a falar de religião e de política. Escutava-a e estimulava-a pela minha argumentação e sentido crítico. Ela com facilidade lia-me os lábios e docemente pressentia-me o olhar. Saía quase sempre vencido, tanto nas damas, como no que defendia, mas satisfeito, com o que me ensinava. Aprendi a olhar o mundo e a ver-me, a participar, nele e a lutar pelo que acredito.
Gosto da política, mas não dos políticos. Os partidos deveriam ser mais democratas, haver pluralidade, a voz de todos os que dão cor à ideologia que servem, não uma limitação à cidadania, à sociedade civil.
Os cidadãos conquistaram o direito a voto, participam nos diversos actos eleitorais, para elegerem os seus representantes; no caso das legislativas para escolherem os seus deputados para o Parlamento e cujo partido eleito com maioria, assim forma Governo. O alargamento do voto a todos os cidadãos, foi conquistado, ao longo dos tempos, progressivamente, à medida que as diferenças sociais não eram tão evidentes, as hierarquias se reduziam e os sistemas de abriam, forçados pelas mudanças e pressões sociais. Será conveniente que cada vez mais surjam novos intervenientes que enriqueçam a sociedade civil e tenham mobilidade e credibilidade social, para que se rompa com as mais antigas e cristalizadas estruturas. Não podemos deixar que a economia de mercado se desenvolva e controle os mecanismos da Democracia Representativa, explorando as suas vulnerabilidades e os seus aspectos mais sombrios. A cultura, a educação, a saúde, o trabalho, os direitos sociais adquiridos…, não deverão ser desregularizados, em detrimento do individualismo, do ganho fácil, da especulação financeira, da incompetência…, por que o lucro não é igual a riqueza, a que beneficiará todos os que fazem parte deste grande país, Portugal.
Cada um tem o dever de usar esse direito; o voto, participar como cidadão em cada acto eleitoral a que for chamado, e exercendo-o em consciência, eleger quem nos governará.

Sem comentários:

Enviar um comentário