quarta-feira, 18 de maio de 2011

A Rosa é uma pessoa muito sensível e transparente. Sinto-a triste. A miúda alegre e bem-disposta sempre a dizer graças e a dar força aos outros, apagou-se. Sinto que se esforça para sorrir e ser agradável, mas acaba por rapidamente voltar-se para si, como se estivesse distante de tudo o que acontece à sua volta, como se outros não existissem. Não me parece que esteja zangada com alguém. Algum problema a aflige sem que consiga exteriorizar. Já anda assim há uns dias. Já me veio à ideia que a sua relação com Margarida, esteja a passar por uma crise e ela possa estar numa fase de reavaliação sobre a sua vida afectiva, sem conseguir desabafar ou partilhar comigo.
Hoje, de manhã, enchi-me de coragem e convidei-a, para almoçar. Ela a princípio, tentou esquivar-se, arranjar uma desculpa válida, para não me magoar, ao rejeitar, mas acabou por sorrir e aceitar o convite.
Ela tentou mostrar-se mais animada durante o caminho para o restaurante. Sentámo-nos e pedimos a ementa. Escolhemos e enquanto esperávamos perguntei-lhe o que estava a acontecer, com ela. Disse-lhe que a sentia preocupada, triste e se a pudesse ajudar em alguma coisa, que poderia contar comigo. Ouviu atentamente. Olhou-me nos olhos, sem conseguir abrir boca e logo lhe correram pela face dois rios de lágrimas, baixou a cabeça, tapou a cara com as duas mãos, numa tentativa de ocultar o seu estado, a quem estava nas mesas por perto. Recompôs-se e agradeceu o meu cuidado e a minha tentativa de ajuda. E logo me pôr a par do grave problema que a tanto a preocupa.
«Tenho um irmão, que fez a semana passada, vinte e três anos. Adoro o meu irmão. Quando lhe liguei no dia do seu aniversário, para lhe dar os parabéns ele não me atendeu, à primeira. Achei estranho, mas nada de anormal; podia estar a atender outra chamada ou não estar perto do telemóvel. Fui tentando, até que lhe consegui falar e alegremente felicitei-o e tentei com o meu jeito meter-me com ele e dizer algumas piadas sobre a idade, a responsabilidade, o futuro, como habitualmente faço e respondendo depois com o seu habitual sentido de humor, às minhas provocações Temos um excelente relacionamento. Mas senti-o em baixo e sem capacidade de responder à altura, como sempre, com muita graça o faz. E desatou num pranto. O que falava ao telefone não entendia. Pedi-lhe que se acalmasse e que me contasse tudo. Foi então que me comunicou que era seropositivo, tinha HIV. Eu não sabia o que lhe dizer. Fiz-lhe algumas perguntas, mas não sabia o que lhe dizer para o reconfortar.»
«Mas, hoje, não havendo cura, há tratamentos e medicação que dificulta a evolução da doença, dando a quem a tem uma qualidade de vida e a possibilidade de poder viver durante muito tempo.»
«Eu sei e também lhe disse isso, mas é como se fosse uma condenação, mesmo a longo prazo, à morte. E quando acontece aos outros, temos a frieza e o distanciamento emocional, necessários, para se fazer uma análise mais racional e ter sentido prático, saber lidar melhor essa ou qualquer outra doença. Mas quando nos é próximo, é muito angustiante. E eu que tanto o avisei, sobre a importância do uso do preservativo, principalmente em relações ocasionais, de risco. Ele foi no Verão a Cuba e conheceu um alemão, que também lá estava de férias e foi amor à primeira vista. Disse-me que nunca usaram preservativo, por que ambos eram novos, corpos atléticos, saudáveis; ou aparentemente saudáveis. O Michael é lindo! Ele mostrou-me as fotos, deles na praia.»
«Eu compreendo Rosa! Mas, procure aceitar, como uma doença, mas não como algo maligno ou que lhe venha a roubar a vida. Ele pode durar muitos anos e a investigação está muito avançada sobre a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. Brevemente pode surgir a cura. Hoje, sabe-se que o HIV teve origem em África, durante o século XIX, mas só foi identificado no início dos anos 80 do século XX, nos Estados Unidos da América. Rock Hudson, foi uma das primeiras figuras públicas, a morrer de AIDS. Em Portugal, o excêntrico cantor António Variações. Inicialmente acreditava-se que era uma doença de homossexuais e essa ideia prevaleceu durante muito tempo, levando a uma maior discriminação das pessoas com essa opção sexual. A sexualidade até aí, era tabu. Falam dos anos 60 como anos de revolução sexual. Eu diria que foram os anos da revolução do amor. Os anos 80, sim! Esses foram os da grande revolução sexual! Pela forma como a doença evoluiu e o elevado número de pessoas afectadas, as sociedades mais conservadoras, tiveram de enfrentar o problema com humanismo e não pela marginalização. Muitas famílias foram obrigadas a conviver com o drama de familiares, amigos, conhecidos, colegas… Os mídia passaram a dar grande destaque e a haver campanhas de informação e discussão, principalmente nas televisões. Lembro-me que até aí, mesmo depois do 25 de Abril, falar de sexo de uma maneira tão explícita, da homossexualidade, não era tão comum e quando era feito, tinha o intuito de ridicularizar as ditas “bichas” ou de alcunhar de doença do foro psiquiátrico. Depois, verificou-se que a SIDA, estava mais relacionada com comportamentos sexuais e não com a orientação de cada um. Hoje, devido a uma alteração comportamental e pelo facto de poderem ser aceites como pessoas “normais” o número de pessoas contaminadas é mais elevado nos heterossexuais. Pelo sofrimento e morte de muitos o colectivo foi obrigado a evoluir e a ter uma maior consciência da realidade e complexidade humana e a ter mais cuidado, por que a prevenção é fundamental; o uso de preservativo. O HIV é transmitido pelo contacto directo de uma membrana mucosa ou na corrente sanguínea, com um fluido corporal de quem está infectado, tais como; sangue, sémen, secreção vaginal, fluído preseminal e até leite materno. A transmissão poderá ocorrer durante o sexo vaginal, anal ou oral, transfusão de sangue, durante a gravidez, à criança, no parto, na amamentação… O sistema imunológico fica enfraquecido e deixa as pessoas mais susceptíveis a infecções oportunistas, tumores… A SIDA é hoje uma pandemia. E apesar de tanta informação, tantas campanhas de esclarecimento, ainda continua a haver todos os dias novos casos. A Igreja Católica não tem ajudado muito nos países onde há mais adeptos do cristianismo, as crenças se sobrepõem à ciência. Felizmente que a medicina evoluiu muito com o tratamento anti-retroviral. Ainda bem, que o teu irmão detectou quando fez análises de rotina, o que significa que é seropositivo, mas ainda não tem quaisquer sintomas da doença. Vais ver que tudo se irá resolver e com o tempo saberão lidar com a situação com outra maturidade e sem receio.»

«Estão, aqui, duas doses de Cozido à Portuguesa. Bom apetite!»
«Obrigado!»

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